quinta-feira, 25 de junho de 2015

A ENCÍCLICA NÃO PUBLICADA


                “Amar  a Igreja significa também ter a coragem de fazer escolhas difíceis, dolorosas, tendo sempre diante dos olhos o bem da Igreja e não a nós mesmos” disse Bento XVI na 4ª feira, 27 de fevereiro, véspera do dia de sua renúncia. “Talvez não haja frase mais incompreensível para a mentalidade atual, caracterizada pela obsessão do poder, em todos os níveis, seja na vida pública como na pessoal”, comentava Sílvia Guidi no jornal do Vaticano.
                “Bento XVI não publicou a encíclica sobre a fé – embora estivesse já em fase bem adiantada – que devia divulgar na primavera, porque não teve mais tempo. Mas existe outra encíclica, escondida em seu coração, não escrita pela caneta, mas pelo gesto de seu pontificado. Esta encíclica não é um texto, mas uma realidade: a humildade. Um homem que pertence à raça das águias intelectuais, temido pelos adversários de suas idéias, admirado por seus alunos, respeitado por todos, graças à nitidez de suas análises sobre a Igreja e o mundo, naquele 19 de abril de 2005, apresenta-se humildemente diante do mundo como um pobre trabalhador da vinha do Senhor. Usará até a terrível palavra “guilhotina” para descrever o sentimento que o invadiu, quando os cardeais na Capela Sistina, no fim do conclave, se voltaram para o aclamar” – escreveu Jean-Marie Guenois, em artigo publicado em Le Figaro Magazine e que teve a honra de ser transcrito no L’Osservatore Romano.
                Não eram palavras de efeito. Eu o conheci como palestrante num curso para bispos no Rio e pude admirar sua simplicidade e modéstia como excelente professor. Tive depois vários encontros com ele no Vaticano e notava sua delicadeza e atenção, vindo me receber à porta de sua sala de trabalho e apertando minha mão carinhosamente com ambas as mãos. Comovi-me em extremo quando, pela televisão, o vi tomar aquele helicóptero, para deixar  o Vaticano e ir para Castelgandolfo.
                Continua Guenois no Le Figaro: “ Depois, ele teve que aprender a profissão de Papa.
Sem assumir a desenvoltura de um João Paulo II, pode-se dizer que nunca um Papa teve, em certo sentido, tão pouco daquilo que o mundo chama de “sucesso”. Foram oito anos terríveis de pontificado, passando de uma polêmica a outra: crise com o Islam, após seu discurso na Universidade de Regensburg, onde evocou a violência religiosa” - dizia-se, no Vaticano, que ele havia humildemente comentado que poderia dizer aquilo como professor, não como Papa  - ; “deformação de suas palavras sobre a AIDS, em sua primeira viagem à África; vergonha sofrida pelo caso dos padres pedófilos, que já vinha do pontificado anterior;  o caso do bispo Williamson, com suas declarações sobre o Shoah (extermínio dos judeus), que ele ignorava e do qual, havia revogado a excomunhão, que sofrera com outros três, por terem sido sagrados bispos por Dom Lefebvre, sem nomeação pontifícia; as incompreensões e dificuldades de pôr em ação seu desejo de transparência nas finanças do Vaticano e, por fim, a traição de seus íntimos no caso Vatileaks, quando seu mordomo entregou aos jornalistas suas cartas confidenciais e, condenado, foi por ele benignamente perdoado.” Comenta Lucetta Scaraffia, no mesmo jornal do Vaticano: “O pontificado de Joseph Ratzinger foi revolucionário e não apenas por sua renúncia, mas porque  interpretou com coerência e radicalidade nova o papado e sua função, acentuando o caráter de serviço e humildade.”

Podemos concluir com o articulista francês: “Só Deus conhece o poder e a fecundidade da humildade!”

A FESTA DOS QUATRO PAPAS

Realmente inédita, em toda a história de Igreja, a festa desse domingo, 27 de abril,  que reuniu na praça de S. Pedro, no Vaticano, o papa santo, emérito, Bento XVI e o Papa Francisco,  que presidiu a solenidade canônico-litúrgica da canonização de dois papas, João XXIII e João Paulo II.
João XXIII foi eleito Papa em 28 de outubro de 1958. Pela sua idade, 77 anos, dizia-se que era um papa de transição. E foi realmente de transição, não no sentido que se dava na época,  de “passageiro”, “transitório”. Nos cinco anos de seu pontificado, ele realizou a grande  transição da Igreja para os tempos modernos com incrível coragem, que surpreendeu o mundo, de realizar um Concílio ecumênico, o Vaticano II, que devia retomar o processo de atualização da Igreja, tentado já no Concílio Vaticano I, bruscamente  suspenso em 1870. O Vaticano II abriu a Igreja para o mundo moderno e iniciou diálogo com as outras religiões e modificou profundamente a liturgia, a oração da Igreja, adatando-a às várias culturas.
Angelo Roncalli - era seu nome de batismo - nasceu no vilarejo Sotto Il Monte, numa família de agricultores pobres. Com bolsa de estudos da diocese de Bérgamo, sua província natal, estudou em Roma no Pontifício Colégio Romano. Ordenado sacerdote, foi secretário do bispo, capelão militar na 1ª Guerra Mundial, núncio apostólico (representante do Papa) na Bulgária, Turquia, Grécia  e em Paris, sendo eleito depois patriarca de Veneza. Presidiu apenas a primeira sessão, de três meses, do Concílio Vaticano II, falecendo aos 3 de junho de 1963. Chamado o “Papa turco”, por seu trabalho diplomático na Oriente Médio, foi porém sobretudo o “Papa Bom”. A bondade foi  sua grande  característica, nas relações da Igreja com todos, protestantes, ortodoxos, judeus, anglicanos e shintoistas.
                Karol Wojtila, o primeiro polonês eleito Papa, é de todos nós conhecido, tendo visitado três vezes o nosso país.  Eleito papa em agosto de 1978, após o brevíssimo pontificado de 33 dias de João Paulo I, em sua homenagem  tomou o nome, até então inédito, de João Paulo.  Doutor em filosofia e teologia, era fluente em mais de dez idiomas. Seu pontificado, o segundo maior da história, caracterizou-se por uma incrível atividade apostólica, tendo visitado praticamente o mundo inteiro. Beatificou um número incalculável de candidatos às honras dos altares, canonizando mais santos do que todos os papas juntos, nesses últimos cinco séculos. No famoso encontro de Assis, criticado por muitos, ele estabeleceu diálogo verdadeiro e leal com as outras religiões.

                Na praça de São Pedro, em seus funerais, em 2 de abril de 2005, o povo pedia com muitos cartazes: SANTO SUBITO!  Santo logo!

segunda-feira, 22 de junho de 2015

UM CRISTÃO AUTÊNTICO

No dia 12 de maio passado, ocorreu o centenário de nascimento do Irmão Roger Schutz Marsauche, que conheci no Congresso Eucarístico Internacional de Lourdes de 1981, em belíssima vigília ecumênica de preces,  organizada pelo s jovens dentro da programação do Congresso. Era realmente uma “figura frágil de rosto luminoso” como diz dele o jornal vaticano L´Osservatore Romano. Impressionou-me a transparência mística,  que  iluminava sua pessoa de monge e de cristão.
Em  20 de agosto de 1940, o jovem pastor protestante suíço, Roger Schutz,  de 25 anos de idade, chegava de bicicleta a Taizé, pequena  aldeia no topo de uma colina da Borgonha, perto da famosa abadia de Cluny, na França dividida e dilacerada pela 2ª guerra mundial. Após longo retiro, na solidão e no silêncio do inverno de 1953, ele redigiu a regra de Taizé que começa com as palavras: “Irmão, se te submetes a uma Regra comum, só o podes fazer por causa de Cristo e do Evangelho.  Teu louvor e teu serviço estão já integrados numa comunidade fraterna, incorporada na Igreja.”  Em julho de 1941,  o Irmão Roger encontrara-se com Paul Couturier e Maurice Villain, dois sacerdotes católicos, pioneiros do ecumenismo na França. Deles escreveu: “Penso que hoje compreendi a partir de dentro a posição católica romana destes sacerdotes. Os dois entenderam minha preocupação:  a indiferença dos cristãos diante de nossas divisões.” Surgiu assim a original experiência da uma comunidade de monges cristãos, católicos e de outras denominações cristãs, reconhecida pela Santa Sé  e pelos principais responsáveis das Igrejas e confissões cristãs.
O Irmão Roger começou a acolher todos, judeus perseguidos pelo nazismo, ex-prisioneiros alemães e crianças órfãs da guerra. Um dos símbolos da comunidade é a grande igreja, chamada da Reconciliação, construída em comum por franceses e alemães, que ali acorriam no final dos anos ´50. Nessa época, alguns Irmãos de Taizé visitavam escondidamente os  cristãos sufocados pelos regimes comunistas da Europa oriental.
No Brasil, há também uma experiência de Taizé em Alagoinha, no estado da Bahia: um  mosteiro beneditino ecumênico, que Infelizmente agora passa por grandes dificuldades pela escassez de vocações. Pelo que fui informado há, no momento, somente cinco monges católicos e três protestantes.
Inexplicavelmente, aos 90 anos, o Irmão Roger foi assassinado por um desequilibrado mental  durante a oração da noite de 16 de agosto de 2005. Sucedeu-lhe o monge católico Alois Loser.

Indubitavelmente, o Irmão Roger Schutz era um cristão autêntico...

quinta-feira, 11 de junho de 2015

BISPOS SALESIANOS EM TURIM

“Carisma salesiano e o ministério episcopal” foi  tema de estudos e reflexões, a que se dedicaram os bispos salesianos do mundo inteiro, na última semana do mês de maio.. Convidados que fomos pelo Reitor Mor dos Salesianos, Padre Pascual Chavez, e vindos de todo o mundo, reunimo-nos 88 bispos e quatro cardeais da Família de Dom Bosco em Turim, Norte da Itália, junto à Casa-Mãe da Congregação e berço da Obra salesiana, no bairro Valdocco. Os cardeais eram Dom Tarcísio Bertone, Secretário de Estado de Sua Santidade, Dom Oscar Maradiaga, arcebispo de Tegucigalpa (Honduras), Dom Rafael Farina, Arquivista e Bibliotecário da Santa Sé e Dom José Zeh Zen, bispo emérito de Hong-Kong, na China.
            Os três dias foram particularmente ricos de significado eclesial e salesiano. No sábado, dia 22, participamos na Catedral de Turim do penúltimo dia da Exposição do Santo Sudário, com a Santa Missa presidida pelo Reitor Mor, com a presença do Sr. Arcebispo de Turim, Cardeal Severino Polletto. O domingo 23 foi consagrado à Colina Dom Bosco, onde nasceu nosso Santo, em Castelnuovo Dom Bosco, no Monferrato – Piemonte. Participamos da Santa Missa, presidida pelo Secretário de Estado, que transmitiu o decreto do Santo Padre, ornando com o título de Basílica a principal igreja dedicada a S. João Bosco. A segunda-feira, enfim, dia 24, celebramos a festa de nossa Mãe e Padroeira, Maria Auxiliadora, em sua Basílica, construída pelo Fundador dos Salesianos em 1868, já ampliada, e recentemente embelezada. Nela, se conserva a Urna de Dom Bosco com seu corpo, cujo fac-símile está percorrendo o mundo salesiano, com uma relíquia insigne de parte notável de seus restos mortais. À noite, realizou-se a magnífica procissão, com organização impecável e grande participação do povo, presidida também pelo Arcebispo de Turim, que já presidira a Missa Pontifical da manhã.
            Os assuntos estudados foram de importância e atualidade notáveis. Padre Pascual, Reitor Mor, abordou o tema “Uma visão da vida consagrada – atualidade e perspectivas”. Quatro bispos, um belga, um angolano, um brasileiro (Bom Jesus da Lapa-Bahia) e um chileno expuseram o tema “A missão juvenil e o carisma educativo na animação pastoral da diocese”. No segundo dia de estudos, foi tratado o tema: “A visão dos bispos na orientação da Congregação no presente momento”. E aí falaram: o cardeal hondurenho, o cardeal chinês, um bispo holandês, um da África e outro da Índia. Como sempre, seguido de debates, com oportunas intervenções. No último dia, o tema tratado foi “Uma melhor comunicação entre os bispos salesianos e a Congregação”.  Os expositores foram o brasileiro, auxiliar de S. Paulo, Dom Tarcísio, um boliviano e mais um filipino.

            Assim voltamos para nossos países, de coração repleto das grandes emoções daqueles dias e a mente enriquecida da atualização de tantos temas importantes na vida da Igreja e da Congregação.

O SACRAMENTO DO ESPIRITO SANTO

O Sacramento da Confirmação ou Crisma em suas três partes rituais nos revela claramente a natureza e significado deste sacramento na vida cristã. Além de ser o Sacramento do Espírito Santo, é também o sacramento dos maduros na fé,  o sacramento da maioridade cristã.
                Na primeira parte, com a renovação, pessoal e consciente, das promessas feitas no Batismo, renunciando ao pecado, ao demônio, suas obras e seduções, e a tudo aquilo  que desune e leva  a oprimir os irmãos, o crismando assume como adulto na fé a virtude da caridade, que é a virtude essencial da vida cristã. Em seguida, ele faz a profissão de fé, que seus pais e padrinhos fizeram em nome dele, no sacramento do Batismo, supondo que ele o recebeu em idade infantil, antes de ter consciência de seus atos.
                A segunda parte do rito sacramental é a invocação do Espírito Santo com seus sete dons, feita pela imposição das mãos do ministro, que normalmente é o Bispo, que possui a plenitude do sacramento da Ordem, em seu terceiro grau. Um presbítero que administre este sacramento, o fará em nome e por delegação do Bispo.
                Por último, vem a unção sagrada, que é pessoal e individual. Por ela o cristão, considerado adulto na fé, é investido e consagrado na missão de anunciar Jesus ao mundo e testificar por seu agir que é cristão e testemunha do Cristo Senhor. O rito determina que o Bispo faça uma unção  na fronte do crismando com o óleo do Santo Crisma, dizendo: “Fulano   ( e diz o seu nome para significar que é pessoal) recebe por este sinal o Espírito Santo, o Dom de Deus”. O crismando  responde com fé: “Amém”. O Bispo, tocando a face do crismado acrescenta para significar sua maioridade cristã: “A paz esteja contigo!”. Ao que, o crismado responde “E contigo também!”.
                Há ainda uma referência histórica muito significativa na oração sugerida pelo ritual para encerrar as preces dos fiéis. O Bispo pede a Deus que derrame no coração de seus filhos, recém-crismados, “os dons que distribuístes outrora no início da pregação apostólica”.  É assim uma preciosa alusão seja ao primeiro Pentecostes, em Atos 2, 1-41, seja a outras manifestações do Espírito Santo nos primórdios do cristianismo, exatamente “no início da pregação apostólica”, como na Samaria, aos neo-convertidos (Atos, 8,17) e na casa do romano Cornélio (Atos, 10, 44-47).
                Este é realmente o Sacramento do Espírito Santo. Explica o grande teólogo brasileiro Pe. Teixeira-Leite Penido: “Há continuidade entre o dom do Espírito Santo feito a Jesus pelo Pai e o dom do mesmo Espírito feito por Jesus ao Corpo Místico.” Na sua despedida, Jesus assegura aos seus apóstolos: “O Espírito Santo descerá sobre vós e dele recebereis força. Sereis, então, minhas  testemunhas em Jerusalém, em toda a Judéia e Samaria, e até os confins da terra.” (At 1,8).
                A Crisma é nosso Pentecostes pessoal. Daí ser  preferível conferi-la na Semana de Pentecostes. E o teólogo Penido faz bela citação da “História de uma alma” de Santa Teresinha de Jesus, com a qual quero encerrar este artigo.

 Diz a Santinha de Lisieux, Doutora da Igreja: “Pouco depois de minha Primeira Comunhão, entrei em retiro para receber a Confirmação. Preparara-me com todo o cuidado para esta visita do Espírito Santo. Como minha alma estava alegre! À semelhança dos Apóstolos, eu esperava, feliz, o Consolador prometido; alegrava-me de ser em breve perfeita cristã e de ter eternamente gravada em minha fronte a misteriosa cruz da unção desse Sacramento. Não senti o vento impetuoso do primeiro Pentecostes, mas antes a ligeira aragem, cujo murmúrio o profeta  Elias ouvira no monte Horeb. Nesse dia, recebi a força para sofrer, força que me era necessária, pois o martírio de minha alma deveria começar pouco depois” (História de uma alma, cap. 4).