“Amar a Igreja significa também ter a coragem de
fazer escolhas difíceis, dolorosas, tendo sempre diante dos olhos o bem da
Igreja e não a nós mesmos” disse Bento XVI na 4ª feira, 27 de fevereiro,
véspera do dia de sua renúncia. “Talvez não haja frase mais incompreensível
para a mentalidade atual, caracterizada pela obsessão do poder, em todos os
níveis, seja na vida pública como na pessoal”, comentava Sílvia Guidi no jornal
do Vaticano.
“Bento
XVI não publicou a encíclica sobre a fé – embora estivesse já em fase bem
adiantada – que devia divulgar na primavera, porque não teve mais tempo. Mas
existe outra encíclica, escondida em seu coração, não escrita pela caneta, mas
pelo gesto de seu pontificado. Esta encíclica não é um texto, mas uma
realidade: a humildade. Um homem que pertence à raça das águias intelectuais,
temido pelos adversários de suas idéias, admirado por seus alunos, respeitado
por todos, graças à nitidez de suas análises sobre a Igreja e o mundo, naquele
19 de abril de 2005, apresenta-se humildemente diante do mundo como um pobre
trabalhador da vinha do Senhor. Usará até a terrível palavra “guilhotina” para
descrever o sentimento que o invadiu, quando os cardeais na Capela Sistina, no
fim do conclave, se voltaram para o aclamar” – escreveu Jean-Marie Guenois, em
artigo publicado em Le Figaro Magazine
e que teve a honra de ser transcrito no L’Osservatore
Romano.
Não
eram palavras de efeito. Eu o conheci como palestrante num curso para bispos no
Rio e pude admirar sua simplicidade e modéstia como excelente professor. Tive
depois vários encontros com ele no Vaticano e notava sua delicadeza e atenção,
vindo me receber à porta de sua sala de trabalho e apertando minha mão
carinhosamente com ambas as mãos. Comovi-me em extremo quando, pela televisão,
o vi tomar aquele helicóptero, para deixar o Vaticano e ir para Castelgandolfo.
Continua
Guenois no Le Figaro: “ Depois, ele
teve que aprender a profissão de Papa.
Sem assumir a desenvoltura de um João Paulo II, pode-se
dizer que nunca um Papa teve, em certo sentido, tão pouco daquilo que o mundo
chama de “sucesso”. Foram oito anos terríveis de pontificado, passando de uma
polêmica a outra: crise com o Islam, após seu discurso na Universidade de
Regensburg, onde evocou a violência religiosa” - dizia-se, no Vaticano, que ele
havia humildemente comentado que poderia dizer aquilo como professor, não como
Papa - ; “deformação de suas palavras
sobre a AIDS, em sua primeira viagem à África; vergonha sofrida pelo caso dos
padres pedófilos, que já vinha do pontificado anterior; o caso do bispo Williamson, com suas
declarações sobre o Shoah (extermínio dos judeus), que ele ignorava e do qual,
havia revogado a excomunhão, que sofrera com outros três, por terem sido
sagrados bispos por Dom Lefebvre, sem nomeação pontifícia; as incompreensões e
dificuldades de pôr em ação seu desejo de transparência nas finanças do
Vaticano e, por fim, a traição de seus íntimos no caso Vatileaks, quando seu
mordomo entregou aos jornalistas suas cartas confidenciais e, condenado, foi
por ele benignamente perdoado.” Comenta Lucetta Scaraffia, no mesmo jornal do
Vaticano: “O pontificado de Joseph Ratzinger foi revolucionário e não apenas
por sua renúncia, mas porque interpretou
com coerência e radicalidade nova o papado e sua função, acentuando o caráter
de serviço e humildade.”
Podemos concluir com o
articulista francês: “Só Deus conhece o poder e a fecundidade da humildade!”